Uma pequena história de invejas, polaridades e jesuítas. Em 1872, Eça de Queirós escrevia uma carta ao finado D. Pedro IV, relatando-lhe um episódio que acontecera em Lisboa. Em 2016 António Monteiro, porta-voz da TAP, com uma incomensurável boa educação aconselha Rui Moreira “…que se vá queixar a Salazar”.
Nessa carta, Eça, descreve o Porto da seguinte forma: “O Porto já não é aquela seca e escura cidade, rude e plebeia, de ruas estreitas e agitadas, impertinente e cheia de oposição, comendo alegremente o arroz e bacalhau, dançando nos bailes improvisados, onde as mulheres iam com o pobre vestido de chita da Rua das Flores – o Porto, ainda com feições de burgo antigo, com as suas dinastias de comerciantes honrados, os seus tamancos estóicos, impassível diante dos redutos, sensível diante dos melodramas do teatro nacional, patriota, resmungão e rezando ao senhor de Matosinhos!”
O Porto já há muitos anos que se revitaliza, com uma vida e energia que ensombram a Capital, com um crescimento apoiado e sustentado, que faz as maravilhas, primeiro do Mundo, depois da Europa, e só nos últimos meses, de Portugal – pouco muda de um século para o outro. O Porto continua resmungão e acolhedor, bon-vivant, e empreendedor, cospe para o chão e acolhe com educação. A sua autenticidade provoca a admiração dos facilmente impressionáveis americanos e comove os empedernidos alemães, que ao balcão de um qualquer tasco recebem uma lição de pastelaria, de como bem receber e, no fim, com a generosidade Invicta, não pagam nada.
Adiantada a descrição, Eça de Queirós relata o que se passou no Porto para inspirar Lisboa.
“O Porto, pois Imperial Senhor, lembrou-se, por ocasião da presença de el-Rei, de fazer uma festa constitucional. Uma festa constitucional para fazer perrice aos jesuítas. […] Aquela boa cidade ficou, dos tempos de Vossa Majestade, com os hábitos de se bater. Vossa Majestade acostumou-os tão bem, que eles não podem dispensar-se de ter um inimigo a vencer.”
O Porto, sim, herdou de muitos a vontade de se bater e, uma coisa é certa, as revoluções “embrionam” no Porto porque os cidadãos do Porto não se ficam. Batem-se contra Mouros, Espanhóis, Franceses, Ingleses, Jesuítas, contra o Poder Central (Sempre!), contra Lisboa – Porque gostam de questionar. Num mundo de ovelhas, o Porto é uma cabra – não segue rebanhos, é livre e insurrecto.
Eça diz: “Ora, quando em Lisboa se soube que o Porto dava esta grande festa – Lisboa teve um estremecimento de cólera. Lisboa teve a tradicional, a costumada inveja. O Porto tinha feito uma grande festa constitucional – Lisboa não tinha nenhuma!”
Esta é a história do Velho Burgo, quando tudo cria e tudo tem, lá vem Lisboa com a saia cor de mar, que em três tempos tudo vai estragar. Nunca será demais lembrar a festa que em 2007 o Porto “criou”, que levou às margens do Douro centenas de milhares de pessoas, numa celebração aberta, franca e honesta. Ora os jesuítas da Capital, incluindo o Padre Couto, agora no poder, acharam bonita a Festa Pá e também a quiseram. Como numa birra de miúdos a Red Bull cancelou a prova em Portugal, numa decisão nada solomónica que, mais uma vez, prejudicou mais o Porto que Lisboa.
Já lá escrevia Eça: “O facto é, Senhor , que, como o Porto tinha a sua festa constitucional, Lisboa quis ter a sua[…] Que quer Vossa Majestade? – Lisboa faz o que pode: quem tem um temperamento saloio não pode tirar dele requintes de artista. Lisboa é uma cidade saloia; é uma cidade de fora de portas; é uma cidade de aldeia. A sua imaginação, violentada para conceber uma festa, não pode produzir mais que o arraial. Foguetes e filarmónicas – eis que ela sabe dar de mais delicado aos heróis que ama.”
E a questão é esta, a TAP, agora privatizada, faz parte, parece-nos, de uma estratégia conjunta com Lisboa e o Poder Central para enterrar uns largos mil milhões num outro aeroporto, Ota ou Alcochete. Uma das formas de o conseguir é sobrecarregar o aeroporto de Lisboa com todos os voos que forem possíveis para dizer que o mesmo está a rebentar pelas costuras. Da mesma forma, o desvio de rotas que, até agora eram directas para o Porto, promove o aumento das estadias na Capital, mais uma vez fazendo-a crescer desmesuradamente em relação ao resto do País. A criação, pela nova TAP, de uma ponte aérea frequente entre Porto e Lisboa, só nos faz lembrar a reactivação da ponte aérea entre Portimão e Bragança – O Porto passa a ter um aeródromo.
Quando “as quatro ligações que a TAP promete suspender a partir de março, representaram em 2015, para a companhia, o transporte de perto de 190 mil passageiros, em 1.867 voos de ida e volta” e tiveram uma taxa de ocupação a rondar os 90% nesse mesmo períodoa lgo cheira a esturro. Nenhuma companhia deita dinheiro assim pela janela. Nenhuma empresa se dá ao luxo de fechar a porta a 1.867 aviões CHEIOS!
Em momentos em que se fala muito da microcefalia provocada pelo vírus Zika, Portugal sofre de macrocefalia, com a cabeça em constante crescimento, esquecendo-se a mesma que precisa de um corpo que a sustente.
Ricardo Brochado