Na Semana Santa no Porto as igrejas e as casas engalanam-se para celebrar a Paixão de Cristo. Não havendo procissões organizadas dignas de nota, sugerimos uma Via Crucis muito especial.
A Semana Santa de Braga é a mais famosa de Portugal e por alturas da celebração da Paixão de Cristo, o alojamento na cidade encontra-se, geralmente, esgotado. Uma boa solução é escolher o Porto para servir de quartel general e usar o comboio para fazer as deslocações – viagens de 45 minutos frequentes.
Durante a Semana Santa, no Porto, não ha procissões públicas, mas há outras formas de reviver os episódios da Via Dolorosa. Na Igreja dos Clérigos, um dos ex-libris do Porto, construída no século XVIII, conhecida pela sua omnipresente torre, há um museu com uma interessante colecção de arte sacra. Na celebração dos 250 anos da construção desta entidade abriu ao público a zona do antigo Hospital e Sede da Irmandade dos Clérigos, que alberga objectos relacionados com a Irmandade e uma exposição muito especial.
A colecção Christus foi elaborada a partir de uma doação de António Manuel Cipriano de Miranda, coleccionador e apaixonado da iconografia cristã, que resolveu enriquecer o Património da Cidade do Porto, através da Irmandade dos Clérigos, com 400 (!!!) representações de Cristo.
É neste ambiente que podemos fazer a nossa via crucis na Semana Santa, um percurso, curto mas intenso, que nos mostra o antes e depois da Via-Sacra.
O beijo de Judas
À direita, de laranja, Judas, com a bolsa com os 30 dinheiros beija Jesus; À esquerda, os soldados que vêm prender Jesus; Abaixo, do mesmo lado, um dos companheiros de Jesus corta uma orelha a um dos captores.
Não fazendo parte das 14 estações oficiais da Via-Sacra, este episódio é muitas vezes representado na Semana Santa e ocupa muito do imaginário popular sendo a simbolização da Traição. Judas “vende” o amigo por 30 dinheiros como descrito por Marcos (14, 43-47), Lucas (22, 47-50) e também Mateus (26,47-51):
«Enquanto ele ainda falava, chegou Judas, um dos Doze. Com ele estava uma grande multidão armada de espadas e varas, enviada pelos chefes dos sacerdotes e líderes religiosos do povo.O traidor havia combinado um sinal com eles, dizendo-lhes: “Aquele a quem eu saudar com um beijo, é ele; prendam-no”.Dirigindo-se imediatamente a Jesus, Judas disse: “Salve, Mestre!”, e o beijou. Jesus perguntou: “Amigo, o que o traz?”
Então os homens se aproximaram, agarraram Jesus e o prenderam.Um dos que estavam com Jesus, estendendo a mão, puxou a espada e feriu o servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha.»
Com este momento, Judas Iscariotes cria o prólogo para a Paixão de Cristo. Mais tarde, como todos os que traem, arrependeu-se, e embora o Perdão seja uma das bases da doutrina de Cristo, nada impede que os traidores resolvam os assuntos pelas suas próprias mãos.
«Então, Judas, o que o traíra, vendo que fora condenado, trouxe, arrependido, as trinta moedas de prata aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos, dizendo: “Pequei, traindo sangue inocente”. Eles, porém, disseram: “Que nos importa? Isso é contigo”. E ele, atirando para o templo as moedas de prata, retirou-se e foi-se enforcar. » Mateus 27, 3-5.
Flagelação de Cristo
Flagelação de Jesus com a iconografia correspondente: a Coluna, o Chicote e a Corda, três dos Instrumentos da Paixão.
A flagelação, embora muito representada ao longo dos séculos, quer na pintura, quer na escultura, por nomes como Caravaggio e Piero della Francesca, é uma das cenas essenciais da Semana Santa. No entanto, nos Evangelhos nunca é referenciada como Flagelação mas sim “açoites”.
Mateus, em 27,26 possui a descrição mais completa, «Então Pilatos soltou a Barrabás; e mandando açoitar a Jesus, entregou-o para ser crucificado.» mas João (19,1) e Marcos (15,15) também o referem.
Jesus carrega a cruz perante Verónica
Jesus carrega a Cruz perante Verónica que, no canto inferior esquerdo, segura o Véu de Verónica
Santa Verónica é celebrada na Terça-Feira Gorda ou de Carnaval, que marca o início da Quaresma.
Segundo as informações que passaram a circular a partir do Século VIII, Verónica terá dado o seu Véu a Jesus, durante a Via Crucis, para limpar a cara tendo a Santa Face ficado marcada no tecido.
Tradicionalmente associada à Estação número 6 da Via-Sacra, a representação de Verónica não é confirmada pelos Evangelhos. Vulgarizada no Século XIII e suportada por muitos Papas, esta lenda assumiu um protagonismo muito forte na religião Cristã sendo amplamente difundida.
Jesus é descido da Cruz – XIII estação
Descida da Cruz – baixo relevo em talha dourada Séculos XVII-XVIII
A Descida da Cruz, A Deposição da Cruz ou ainda Jesus descido da Cruz e entregue a sua Mãe, são os títulos possíveis para o episódio descrito por João em 19,38, e que corresponde à 13ª estação da Via Dolorosa.
«Depois disto, José de Arimatéia (o que era discípulo de Jesus, mas oculto, por medo dos judeus) rogou a Pilatos que lhe permitisse tirar o corpo de Jesus. E Pilatos lho permitiu. Então foi e tirou o corpo de Jesus.»
Nesta representação vemos um soldado a receber o Corpo de Jesus que lhe é estendido por José de Arimateia, enquanto Maria é consolada por Maria Madalena. Este José tornou-se numa figura lendária a partir do século IV, e posteriormente, nos séculos XI a XIII ficou associado ao Santo Graal e ao rei Artur, à fundação da primeira igreja na Inglaterra (Glastonbury) e, em Espanha a sagração como bispo por São Tiago.
Pietá
Pietá, ou Maria segurando no corpo de Jesus
A Pietá, ou Nossa Senhora da Piedade representa o momento em que Maria recebe o corpo do Filho depois do Descimento da Cruz. É um tema recorrente da arte religiosa e nesta representação dos séculos XVI ou XVII mostram a interpretação de uma oficina espanhola num belo trabalho de madeira entalhada pintada a têmpera e ouro.
Todas estas obras e muitas mais podem ser observadas na colecção Christus na Semana Santa e e em todas as outras semanas do ano por apenas 3 euros, incluindo a subida à Torre dos Clérigos e a visita às galerias superiores da Igreja.
Igreja dos Clérigos:
Rua de São Filipe Nery, Porto 4050-546
Horário: 9:00h – 19:00h
A Semana Santa inicia-se no Domingo de Ramos e culmina com o Domingo de Páscoa, tendo como momentos de destaque a Quinta-feira com a Última Ceia e o Lava Pés, e a Sexta-feira Santa onde se evoca a morte de Jesus.